Matteo Ignazio Mariot

Antes de emigrar

Matteo e estradas de ferro

Da vida de Matteo Ignazio antes de emigrar, pouco sei. No censo de Longarone ele era um de três irmãos e líder da família. Era comum ter muitos filhos nessa época. A teoria é que o pai de Matteo, Pietro, já havia morrido quando a lista foi compilada. Relatos dizem que Matteo tinha experiência com construção de estradas de ferro.

Mito

Trabalho na Transiberiana

Relatos dizem que Matteo trabalhou na Estrada de Ferro Transiberiana, na Rússia.

Mas este relato é duvidoso porque a primeira pedra da construção da Transiberiana propriamente dita foi posta no lugar em maio de 1891 em Vladivostok. A essa altura Matteo estava no Brasil com a família.

Hipóteses

  • Talvez Matteo tenha trabalhado na estrada de ferro São Petersburgo - Moscow, que mais tarde passou a ser o trecho mais antigo da Transiberiana.[1] Mas ele teria que ter ido sozinho, pois a obra começou em 1842, quando ele tinha 24 anos, e terminou em 1852, quando ele tinha 34 anos. Ele não poderia ter levado os filhos, pois o filho mais velho tinha 4 anos no fim da obra. Esse detalhe também sugere que Matteo estava na Itália em meados de 1848, reduzindo ainda mais a possibilidade de ter trabalhado na Rússia.
  • Caso Cesare tenha realmente morrido perto de Budapeste, então talvez Matteo e Cesare (e talvez outros filhos) tenham trabalhado em alguma estrada de ferro Húngara. Por exemplo, a Companhia Ferroviária Oriental Húngara (Magyar Keleti Vasúttársaság) em 1870 estava financiando obras para uma estrada de ferro em Turda. Nessa época Cesare era adulto e Matteo ainda não tinha ido ao Brasil.[2], [3] (ver página de Cesare)

A viagem ao Brasil

Um artigo publicado pelo Jornal Vanguarda em maio de 2013 possui uma entrevista com Leda Mariot, bisneta de Matteo, em que ela diz que Matteo e o filho Marco foram para o Brasil partindo da Inglaterra, e que foram seguidos pelo restante da família pela mesma rota.

Este relato parece ter sido colorido pelo livro de Quinto Davide Baldessar. Na página 147 do seu livro "Imigrantes", Baldessar menciona o navio em que Matteo viajou, e que este navio partiu de Liverpool. Mas o texto é ambíguo e não esclarece que eles não partiram de Liverpool. Baldessar também presume que além de Marco, Matteo foi acompanhado de Giovanni e todas as filhas, o que não é verdade.[4, P. 147]

Tanto dona Leda quanto Baldessar se equivocaram. Baldessar deve ter tido pouco tempo com o relatório de viagem do navio, e não encontrou as demais listas de passageiros. A história real foi a seguinte:

Em 1879, Matteo, então com 60 anos, e seu filho Marco, 17 anos, dirigiram-se ao porto de Bordeaux, na França, e lá embarcaram em um navio a vapor da empresa britânica Pacific Steam Navigation Company chamado Sorata.[5]

O Sorata foi construído 7 anos antes na Escócia.[6] Os trajetos normalmente percorridos pelos navios da Pacific Steam Navigation eram no oceano pacífico, mas essa empresa ganhou um contrato do governo britânico em 1852 com rotas no Atlântico sul e o Sorata, por conseguinte, era um destes navios que percorriam o atlântico.

Assim, em meados de 5 de outubro de 1879, o Sorata partiu de Liverpool, no Reino Unido, com destino a Buenos Aires.[7] A primeira escala do navio a vapor foi em Bordeaux, na costa francesa, seguido por Carril, Lisboa, Pernambuco, Bahia, e Rio de Janeiro.[5]

O vapor Sorata O vapor Sorata, construído por John Elder & Co. em Glasgow, 1872. Esse navio levou os primeiros Mariot ao Brasil.

Então Matteo e Marco não estavam em Liverpool quando o Sorata partiu, mas em Bordeaux. Os dois embarcaram no Sorata com mais três parentes: Marco, de 25 anos, sua esposa Magdalena, de 22 anos e seu filho Giovanni, de 2 anos.[5]

Os Mariot não foram listados com os demais passageiros de Bordeaux, mas seus nomes foram rapidamente escritos no verso da lista de passageiros.[5]

Os franceses marcham em Veneza Os nomes de Matteo e Marco Mariot na lista de passageiros do Sorata, junto com os outros três passageiros. O oficial britânico escreveu Mariot com dois "R"s. Os cabeçalhos da tabela dizem "Name" (nome), "Single or married" (solteiro ou casado), "Age" (idade), "Nation" (nação), "Profession" (profissão), "From" (de), "For" (para). Todos os Mariot foram registrados como solteiros, provenientes da Itália, operários, tendo embarcado em "Brox" (Bordeaux), e com destino ao Rio.

Matteo, Marco e a família do outro Marco desembarcaram no Rio de Janeiro em 7 de novembro de 1879. O inspetor da imigracão brasileira escreveu uma nota no topo da lista de bordo explicando que os Mariot foram recolhidos a uma hospedaria, com destino à colônia Azambuja, em Santa Catarina.

Anotação feita pelo oficial dde fronteira "A família Matteo Mariot composta de 5 pessoas, foi recolhida a hospedaria para seguir no dia 11 para a Colonia Azambuja."

Não é claro porque Matteo e Marco embarcaram de Bordeaux. Baldessar explica que a primeira leva de imigrantes de Longarone que se instalaram em Santa Catarina haviam sido transportados para o porto em Havre, na França.[4, P. 44] Havre fica no litoral norte, no canal da Mancha, e Bordeaux fica no litoral oeste, no golfo de Biscay. É possível que Matteo, Marco e os demais, tenham feito um itinerário semelhante devido à agência de imigração.

Os demais membros da família de Matteo não embarcaram da França nem do Reino Unido, mas da Itália, com excessão de Giosuè, que embarcou em Marselha.

A linhagem de Tommaso

Cabe aqui elaborar um pouco sobre os 3 Mariot que viajaram com Matteo e Marco, pois tradição oral e erros em documentos distorceram certos aspectos daquela família.

Primeiro é importante observar que em algum momento se instituiu a idéia que esta família não era Mariot. Tanto Leda quanto Baldessar afirmam que esta família era de fato a família "Longo", que adotou o nome Mariot durante a viagem e o manteve no Brasil.

O segundo problema é que o nome do marido, no documento, é "Matteo Mariot". Baldessar aceita os nomes como aparecem na lista do Sorata, enquanto Leda afirma categoricamente que não existe nenhum "Matteo Longo" ou "Matteo Mariot". O nome do pai de Giovanni era suposto ser "Marco Longo", marido de "Madalena Longo".[8, P. 3]

Porém, diversas outras fontes independentes confirmam que o nome deste homem era Marco, não Matteo. Provavelmente pelo fato de ter duas pessoas no grupo com o mesmo nome, o oficial do Sorata escreveu o nome de Marco errado.

Um dos decendentes de Marco, Edson João Mariot, afirma que os registros civis de Longarone determinam que o sobrenome dele era Mariot desde o seu nascimento. O que significa que Baldessar e Leda estão ambos errados em constatar que eles eram membros da família Longo.[9]

O pai de Marco, marido de Madalena, se chamava Tommaso Mariot e também usava este sobrenome na Itália.

Segundo o Ruolo della Popolazione della Frazione de Pirago e Muda, Matteo na época tinha um irmão e uma irmã. Mas Tommaso não está na mesma página do documento, o que sugere que eles sejam parentes mais afastados. A diferença de idade é de apenas dois anos, então talvez fossem primos, ou até mesmo irmãos.[10]

Marco, filho de Tommaso, é um dos "Marco Mariot" que aparecem nos registros civis de Urussanga. O nome idêntico causa bastante confusão. (Mais detalhes na página de Marco.) A irmã deste Marco era Antonia, que casou com Marco, o filho mais novo de Matteo.

Depois da chegada de Marco e Madalena no Brasil, a mãe de Marco, Lucia de Vido, e suas irmãs, também foram ao Brasil e se instalaram em Rio salto junto com a família de Matteo.

Vida no Brasil

Quando Matteo e Marco chegaram em Urussanga, não tinham onde dormir. Leda Mariot relata que eles encontraram uma pedra em Rio Salto que possuía um aspecto côncavo que poderia abrigar, parcialmente, do tempo, e durante as primeiras noites, dormiram embaixo desta pedra.[8, P. 4]

Ao chegar ao Rio Salto com os colonizadores, desembargador Joaquim Vieira Ferreira e seus companheiros, os Mariot [das duas linhagens], com suas famílias, depois de receberem seus lotes ficaram perplexos e entenderam que naquela noite deveria ser ali a pousada e ali permaneceriam em definitivo.

E agora? Era preciso agir porque a noite se aproximava.

Enquanto as mulheres e crianças ali permaneceram, os homens andaram algumas centenas de metros pela margem do Rio Salto acima. Ao voltar o fizeram um pouco mais em direção da encosta.

Encontraram algumas pedras muito grandes e uma delas com uma solapa avantajada, em direção à baixada das margens do Rio Salto. Pensaram que ali poderiam dar abrigo ao menos às crianças em caso de chuva.

(...)

A pedra da solapa, primeira morada de meus bisavós Mariot, estava localizada pouco acima do entroncamento da estrada de Rio América com a estrada de Rio Caeté.

Infelizmente um cortador de pedras não soube respeitar um momento histórico e transformou o grande rochedo em pedras de alicerce de casas.

Q. D. Baldessar, Imigrantes: Sua História, Costumes e Tradições no processo de colonização no sul do Estado de Santa Catarina. Criciúma, 1991 [Online]. Disponível em: downloads, p. 62-64

O episódio da pedra deixa claro que o governo imperial não estava fazendo um trabalho diligente. O Decreto 3.748, que regulava as colônias do Império, dizia que cada lote deveria ter um abrigo temporário para os colonos, o que evidentemente não aconteceu. E o artigo nº 30 do mesmo decreto diz que os colonos receberiam um auxílio gratuito na quantia de 20$000 para o chefe de família e qualquer pessoa entre 10 e 50 anos de idade. Por isso era raro colonos terem mais de 50 anos. Matteo, com 60 anos, foi uma notável excessão. Já Marco, que tinha 17 anos, segundo o mesmo decreto, não poderia escolher um lote até os 18 anos de idade. Cada colono deveria pagar sua hipoteca em 7 anos e as compras a prazo deveriam ser pagas em parcelas iguais a partir do fim do segundo ano.[11]

Despacho publicado em 1882. Despacho publicado em 1882.

Parece que Matteo e Marco provavelmente viveram juntos no mesmo lote por alguns anos. Sabemos que Matteo tinha de fato um lote no nome dele, porque o jornal A Regeneração de Santa Catarina publicou em 1882, na lista de despachos, um pedido de Pietro e Giovanni para a concessão de lotes de terras, um dos quais vizinho ao lote de Matteo.[12]Marco deve ter comprado o próprio lote anos depois, porque ele só terminou de pagá-lo em 1894.[13]

Não tenho mais informações a respeito de Matteo, exceto o que pode ser presumido pelo óbito e as histórias dos demais membros da família, o que pinta um retrato relativamente ocupado da vida deste homem:

Depois de se estabelecer em Rio Salto, Matteo e Marco passaram a trabalhar como lavradores.
Em dezembro de 1880, Matteo reencontrou o filho Giovanni, recém chegado com a esposa. Os Mariot então prepararam uma casa de palha para o restante da família.
Em 1882, Matteo reencontrou a esposa Anna Fontanella, junto com as três filhas, o filho Pietro e sua esposa, Lucia, que deu a luz uma semana depois.
Em 1883, Matteo deve ter testemunhado o casamento de Teresa.
Em 1884, foi a vez de Valentina.
Em 1886, ele vivenciou a morte do filho Giovanni.
Em 1888, o casamento de Marco.
No mesmo ano, casou Margherita, a filha mais nova.
Em fevereiro de 1889, a morte prematura de Margherita.
No mesmo ano, a fuga da filha Valentina, o reecontro da família com Giosuè e o casamento do mesmo no mês de julho.
E em 1893, o segundo casamento de Giosuè. Matteo morreu em Urussanga 17 anos depois de chegar lá, em 11 de maio de 1896.

A causa da morte foi associada a "velhice". Matteo tinha 78 anos e o óbito dele diz que seus filhos eram Pietro, Giosuè, Marco e Teresa. Sabe-se que Valentina também estava viva e morava no Rio Grande do Sul. Ela não aparece no óbito, talvez porque a família não soubesse o que acontecera com ela, ou porque estavam zangados com ela.

Sua esposa, Anna Fontanella Mariot, foi notoriamente uma das pessoas mais velhas da família Mariot e morreu em 24/04/1917, 22 anos depois do marido (e apenas três anos antes do filho Giosuè), com 92 anos!

Registro de óbito de Matteo Extrato do registro de óbito de Matteo.

Infelizmente não parece haver fotografias de Matteo.

Você sabe algo sobre Matteo que não está nesta página?
Por favor entre em contato e publicarei aqui.