O brasão da família

Famílias não possuem brasões Brasão falso

Comecemos pelo óbvio: os Mariot não possuem um brasão. A imagem ao lado é uma montagem inspirada em um suposto brasão que tem circulado pelo Brasil. A similaridade não é coincidência: o modelo é o mesmo, veio da mesma companhia. Existe toda uma indústria ao redor de brasões falsos que opera em cima de relatos fictícios e sem referência bibliográfica. Os membros dessa indústria vêm sendo vigorosamente levados a juízo nos Estados Unidos e Inglaterra por fraude.[1]

Brasões, no mundo real, são símbolos heráldicos cedidos em estados monárquicos a um indivíduo ou um grupo. Eles são uma forma de identificar diferentes famílias (nucleares) e são tipicamente propriedade hereditária de indivíduos: sobrenomes não possuem brasões, e com excessão de pequenos estados do leste europeu, famílias também não possuem brasões.[2], [3], [4]

Os brasões se originaram na época das cruzadas. Eles foram criados simplesmente para que fosse mais fácil discernir entre homens em armaduras. Cores primárias e desenhos de formas geométricas simples compunham os primeiros brasões, que eram usados na armadura e escudos dos cruzados. Por isso o elemento principal dos brasões é um escudo, as vezes encabeçado por um elmo. Existe uma tradição dedicada à criação, identificação, interpretação, desenvolvimento e registro de armas chamado heráldica. As armas tornam-se mais elaboradas conforme o prestígio e poder do seu portador.

Brasões são herdados de maneira patriarcal estrita: apenas o filho mais velho tem direito de usar as mesmas armas do pai; enquanto o pai estiver vivo, as armas do filho mais velho precisam refletir sua afiliação (em termos herádilcos, se usa um "lambel em chefe" para indicar o herdeiro das armas), e quando o pai morrer, o filho porta as mesmas armas e títulos.

Brasões são outorgados a indivíduos por uma organização associada ao governo. Muitas dessas organizações foram criadas na Europa e algumas existem até hoje. Outorgas são feitas por soberanos como reis e príncipes ou pessoas autorizadas por eles.

Uma pessoa que possua outorga de armas é chamada uma pessoa "armígera" ou "armífera".

Heráldica no Reino Unido

Brasão do College of Arms Brasão do College of Arms

Na Inglaterra, Gales, Irlanda do Norte e os países membros do Commonwealth, a instituição reponsável pela outorga de armas é o College of Arms. O Reino Unido e mais outros 15 membros do Commonwealth são monarquias e ainda possuem um sistema de outorga de armas. O College of Arms foi fundado em 1484 pelo rei Richard III, ainda existe, ainda outorga armas e tem endereço em Londres:

130 Queen Victoria Street
London
EC4V 4BT
United Kingdom

A Escócia, embora seja membro do Reino Unido, possui uma corporação à parte que executa o mesmo trabalho e é chamada Court of the Lord Lyon. Também existe, também está ativa e tem endereço em Edinburgo:

The Court of the Lord Lyon
HM New Register House
Edinburgh
EH1 3YT
United Kingdom

É improvável, embora não impossível, que um Mariot tenha sido outorgado um brasão no Commonwealth ou no Reino Unido. Juízes na Inglaterra, por exemplo, freqüentemente recebem título de Knight Bachelor ("Cavaleiro Celibatário") e são tratados pelo pronome "Sir". Eles são perfeitamente capazes de pedir uma outorga de armas e recebê-la (e o fazem). Como é mencionado na página dos Mariot na Inglaterra, pessoas com o sobrenome Mariot já estiveram em posições prestigiosas na Inglaterra e nada as impede de ter tido um brasão concedido em vida.

É possível reclamar o direito a um brasão, desde que o armígero seja um antepassado. Mas para saber se um antepassado obteve uma outorga, é primeiro necessário comprovar a descendência direta desse antepassado e pagar uma taxa para que uma pesquisa seja feita. Caso um brasão tenha sido realmente outorgado, ele pode ser usado pelo requerente.

Não existe nenhuma evidência concreta de relação entre os Mariot descendentes dos italianos da província de Belluno e quaisquer membros da aristocracia britânica, o que torna a tarefa de reclamar um brasão virtualmente impossível. E mesmo que fosse possível, apenas o descendente primogênito em linha direta do armígero o poderia fazer. Portanto, se houver um descendente italiano do Mariot armígero, seria necessário descobrir se todos os antepassados da sua linha masculina eram primogênitos do britânico que tinha a outorga do brasão.

Uma nova outorga de armas pode ser feita, desde que o indivíduo que fez o requerimento use o brasão para representar apenas a si mesmo e a sua família nuclear (esposa e filhos). O College of Arms concede brasões, mas o sistema de outorga de armas é baseado em meritocracia, então para que isso seja possível, é necessário morar em um dos países do Commonwealth e demonstrar o seu mérito. Uma nova outorga de armas custava, em 2017, £5,875. Para fazer uma é necessário fazer uma petição chamada memorial e essa petição precisa ser aprovada pelo Earl Marshal. Só ele pode autorizar a outorga.

Heráldica na França

Em ex-monarquias como a França, brasões são tratados de forma diferente porque eles não são regulados. No Antigo Regime (antes de 1789), em teoria, apenas a aristocracia podia usar armas, mas na prática qualquer um poderia escolher armas para seu próprio uso desde que seguissem as normas de heráldica. Um édito de 1696[5] declarava que para que brasões fossem oficiais, eles deveriam ser registrados no Armorial Général de France, por um certo preço (a princípio 1 libra francesa e 10 sous[6]). O resultado foi o registro de 110.000 brasões, dos quais 80.000 eram de plebeus. Como o registro de armas foi um bom negócio para o governo francês, algumas pessoas foram forçadas a registrar brasões e muitas vezes os seus brasões eram feitos sem nenhuma seriedade. Em 1709 o registro cessou completamente e o édito de 1696 foi ignorado dali pra frente.

Uma compilação de todos os nomes cadastrados no Armorial Général de France foi publicado em 1865 e pode ser visto online. Infelizmente, Mariot não consta nos registros[7], que pulam de Marionelle para Mariotte.[8]

Em 20 de junho de 1790, a Assembléia Nacional aboliu a nobreza, títulos e ordens de cavalaria e heráldica na França. A exposição de brasões foi declarada ilegal. Napoleão restaurou heráldica e títulos em 1808, mas todos os símbolos do Antigo Regime passaram a ser inválidos. Os novos títulos não eram normalmente hereditários e apenas as armas definidas na certidão que declarava a outorga poderiam ser usadas.

Com a restauração da monarquia real em 1814, os antigos símbolos heráldicos foram restaurados e portadores de símbolos napoleônicos poderiam pedir ao rei por uma atualização. Entretanto, armas continuaram a ser não-reguladas.

Como na França a nobreza e os brasões nunca tiveram nenhuma relação, é plausível que alguns dos Mariot pudessem ter adotado um brasão. Mas nenhum Mariot foi nobre no Antigo Regime[9] e nenhum Mariot recebeu títulos após a restauração de 1814[10], e nenhum Mariot recebeu títulos na época do Império Napoleônico.[11]

Infelizmente, mesmo que um Mariot tenha adotado um brasão na França, se esse brasão não foi registrado, não tem como sabermos. É sensato portanto presumir que os Mariot da França não usavam brasões.

Heráldica na Itália

A questão da heráldica na Itália é mais confusa porque a Itália é um país jovem. O risorgimento (unificação da Itália) foi um processo que levou boa parte de 15 anos no século 19. E mesmo assim, partes da Itália só se uniram ao novo reino depois da Primeira Guerra Mundial.

Antes do Reino da Itália, a península itálica era dividida em diferentes estados e cada estado reconhecia a aristocracia e outorgava armas de maneira diferente. Os reinos meridionais de Nápoles, Sicília, Sardenha e os Estados Papais, por exemplo, usavam títulos de nobreza como a maior parte das monarquias européias da época porque eles possuíam uma estrutura feudal muito similar. Mas ao norte da península, em áreas como a Toscana, Veneza, Gênova, etc a situação era muito mais complexa porque existiam autoridades diferentes que conferiam títulos.[12]

Tipicamente as comunes italianas em lugares como Nápoles e as repúblicas locais conferiam títulos de patrício, que é uma forma de nobreza urbana, ao contrário de nobreza feudal. Porém, a República de Veneza conferia títulos feudais. O líder de Veneza era o doge, que é uma variante de duque. Os títulos conferidos em Veneza eram os de signori, vassalli e cavalieri, coletivamente conhecidos como baroni.[13]

Até 1806, o norte da Itália e a Toscana, com excessão de Veneza, integravam o Sacro Império Romano e a outorga de títulos era uma exclusividade do Imperador, exceto pelos títulos de marquês para baixo, que poderiam ser outorgados pelos reis italianos.

Quando em 1861 o rei da Sardenha anexou outros estados italianos, foi criada a Consulta Araldica, que tinha como objetivo unificar todos os sistemas de outorga de títulos e armas no Reino da Itália. A Consulta Araldica atuava como assessora do governo em questões heráldicas e seu papel foi definido por um decreto-lei de 20 de março de 1924: "ninguém pode usar qualquer título ou atributo nobre se não estiver registrado como legitimamente investido com esse título ou atributos no registro da Consulta Araldica." O uso de títulos e armas não registrados com essa entidade era considerado ofensa punível com multas cujo valor aumentava com a re-incidência da ofensa.

Com a proclamação da República em 1948, a nobreza italiana foi abolida e hoje a Consulta Araldica não existe mais. Em 1858, foi fundada uma instituição chamada Collegio Araldica que publica até hoje um documento chamado o Livro de Ouro, em que são listadas pessoas de procedência "aristocrática" e é supostamente apoiado pela "aristocracia" italiana. Existem também duas organizações reconhecidas pela família real: um Conselho Heráldico Nacional e uma Comissão Heráldica Central. Nenhum desses grupos têm qualquer reconhecimento oficial do governo italiano.[14]

Finalmente, em relação à outorga de armas, existe ainda um Instituto Genealógico e Heráldico da Itália, em Palermo. Eles trabalham principalmente como pesquisadores de genealogia, mas também fazem obras de arte heráldica. Segundo um dos seus diretores, Luigi Mendola, seus pontos de vista sobre heráldica são muito semelhantes aos predominantes noutros lugares: não há "armas para a família Ferrara"; as armas podem ser herdadas de um ancestral armígero etc. Eles também deixam claro que não estão interessados em agir como um negócio.[14]

O Instituto Genealógico e Heráldico da Itália tem endereço:

Presso Casati-Mendola
Via M. D'Azeglio, 9-B
90143 Palermo
Italia

Se existir um Mariot na Itália com uma outorga de armas, a maneira mais simples seria consultar o "Livro de Ouro". Essa publicação não é gratuita e não é, até onde sei, domínio público. Mas a julgar pelas origens simples dos Mariot de Belluno, é muito pouco provável que um eles tivesse uma outorga.